Este interessante artigo de Alvaro A.L. Domingues, escrito em meados de 1984 para a edição 8 da extinta Revista MicroHobby, lembra que a aspiração dos engenheiros e programadores de criarem um computador inteligente sempre existiu.
No início da era dos computadores pessoais, das décadas de 1970 e 1980, imaginava-se que os computadores poderiam pensar e interagir de forma natural com humanos já no início dos anos 1990. Nada poderia estar tão errado: sabemos hoje que, até mesmo com o advento das últimas tecnologias em Artificial Intelligence, redes neurais e big data, rodando em poderosos hardwares com grande capacidade de armazenamento e velocidade digital, até os computadores atuais continuam sendo, em sua essência, as mesmas máquinas binárias, somente versões melhoradas dos computadores da época da informática a vapor!
Jaldomir S∴ Filho - editor
Tóquio, outubro de 1981. Durante quatro dias de conferência no MITI (Ministério do Comércio e Industria Japonês), os participantes lançaram uma ideia no ar: o computador de quinta geração. Este computador deveria, além de apresentar um conceito de hardware totalmente diferente, imitar a inteligência humana. Quando ele entrasse em funcionamento na década de 90, seria capaz de manipular grandes massas de informações, fazer inferências, aprender com a experiência e, enfim, pensar. Imediatamente após esta conferência, uma verba de 43 milhões de dólares foi destinada para a primeira fase do projeto.
Cabe aqui uma pergunta fundamental para determinarmos se eles terão ou não sucesso em suas pesquisas: PODEM AS MÁQUINAS PENSAR?
As objeções à Inteligência Artificial levantadas por Turing e as suas respostas a elas. Turing, em seu artigo Computadores e Inteligência levantou diversas objeções à Inteligência Artificial e tentou respondê-las. Suas respostas são bastante inteligentes e difíceis de contestar, o que os convida a, pelo menos, examinar nossos conceitos a respeito do que é pensar. As objeções são as seguintes: 1) Objeção Teológica 2) Objeções da "Cabeça na Areia" 3) Objeção matemática 4) O argumento da consciência 5) Argumentos de várias incapacidades 6) As objeções de Ada Byron, Lady Lovelace 7) O argumento da continuidade do sistema nervoso 8) O argumento da informalidade do comportamento humano 9) O argumento da percepção extra sensorial Uma objeção ao jogo da imitação O jogo da imitação é um meio interessante para determinar se uma máquina é ou não inteligente. Entretanto, um programa chamado Doctor (ou Eliza) pode pô-lo em dúvida. Este programa imita um diálogo entre um psicanalista e seu paciente e engana-se perfeitamente o observador que desconhece que o analista é uma máquina. Observe o seguinte diálogo: Analista: Por que você veio aqui? Analista: Por que sua mãe insistiu? Analista: Você se sente perturbado? Analista: Por que não gosta de contrariar sua mãe? Analista: Você parece estar aborrecido com estas perguntas. Analista: Você está evitando falar em sua mãe. E assim por diante. . . O interessante é que todo o diálogo parece inteligente, principalmente a última resposta. Entretanto este programa apenas transforma em pergunta as informações fornecidas pelo próprio paciente. Quanto à última frase, ela pode ser obtida simplesmente incluindo um procedimento que considere pai e mãe como palavras chaves e analise as respostas seguintes, verificando o seu aparecimento ou não. No caso, o paciente evitou responder a pergunta do analista a respeito de sua submissão à sua mãe. O computador, ''inteligentemente'', o põe frente à frente com o problema. Turing provavelmente aprovaria esta máquina, mas, na realidade, ela não é "inteligente". Tudo o que ela faz é procurar termos chaves nas perguntas e respostas do paciente e transformá-las em outra estrutura, por exemplo, transformando perguntas em respostas e vice-versa. Isto fica evidente na penúltima frase do paciente: a resposta diz exatamente a mesma coisa que a pergunta. |
Esta pergunta não é nova: Alan Mathison Turing, matemático inglês, formulou-a nos anos 50, nos mesmos termos. Ele foi um dos pioneiros no desenvolvimento dos computadores digitais e muitos de seus princípios ainda são usados nos modernos computadores. Seus estudos relativos ao que mais tarde seria chamado de Inteligência Artificial continuam atuais.
Turing, ao começar seu trabalho com computadores, sabia que suas ideias a respeito da capacidade de uma máquina pensar, encontrariam oposição. Então, num artigo intitulado "Computadores e Inteligência" procurou dar uma resposta à esta pergunta.
A primeira dificuldade para realizar esta tarefa é definir o que é "pensar" e o que é "máquina". Estes termos têm milhares de definições possíveis, porque cada um de nós tem uma idéia, nem sempre exprimível em palavras, do que seja cada um deles. Podemos definir como "máquina" qualquer objeto construído para realizar uma ou várias tarefas. A sua característica principal é que ela é artificial, e neste ponto todos concordam. Agora, para julgarmos se uma máquina pensa ou não, poderemos usar o mesmo critério que usamos para julgarmos se um ser humano é ou não inteligente, ou seja, se esta pessoa pode manter um diálogo inteligente.
Quando formos julgar se uma máquina é "inteligente" ou não, poderemos ser levados por sua aparência não humana e não admitirmos ser ela capaz de "pensar".
O jogo da imitação
Como todos nós somos passíveis deste tipo de preconceito, Turing imaginou um artifício: o jogo da imitação.
Neste jogo, participam três jogadores: dois homens e uma máquina. Um dos homens tem como função descobrir quem é a máquina e quem é o homem, fazendo determinadas perguntas. As perguntas e respostas são enviadas por um mensageiro, para se evitar um contato entre os jogadores.
Se, neste jogo, o terceiro jogador não souber diferenciar quem é o homem e quem é a máquina, então poderemos dizer que a máquina pensa.
O diálogo abaixo mostra um exemplo de um conjunto de perguntas e respostas entre um homem e uma máquina hipotética que, se tivesse acontecido em um jogo da imitação, poderia ser perfeitamente confundido com um diálogo entre dois humanos (1).
Homem (referindo-se a uma poesia de Shakespeare apresentada pela máquina): No primeiro verso do soneto, que diz "Devo eu te comparar a um dia de verão" (2); "Um dia de primavera não estaria igualmente bem ou ainda melhor?"
Máquina: Não tem o número certo de sílabas.
Homem: Que tal "um dia de inverno"? (3) Tem o número correto de sílabas.
Máquina: Mas ninguém quer ser comparado a um dia de inverno.
Homem: O soneto fala sobre o Sr. Pickwick, não?
Máquina: Sim.
Homem: Você diria que o Sr. Pickwick faz lembrar o Natal?
Máquina: De certo modo.
Homem: Contudo, o Natal na Inglaterra é um dia de inverno e não creio, que o Sr. Pickwick fizesse objeções à essa comparação.
Máquina: Não creio que você esteja falando sério.
(1) Adaptado do artigo "Computadores e Inteligência", 1950, de A.M. Turing.
(2) e (3) No original, Summer e Winter.
Nota-se na conversa que, quando se diz "um dia de inverno", quer-se dizer um dia típico de inverno e não um dia especial como o Natal.
Turing desenvolveu este teste para não esbarrar com problemas de ordem metafísica, como a possibilidade de uma máquina ter consciência de si mesma, ou seja, chegar um dia a dizer: "Penso, logo existo", como um robô-Descartes.
Turing, em outras palavras, admite que o que nos interessa é um resultado "inteligente", uma resposta adequada ao problema proposto, não importando se a máquina tem ou não consciência, ou emoções.
Um pouco de história
O precursor dos computadores foi Babagge, professor de matemática em Cambridge que, entre 1822 e 1833, planejou a Máquina Analítica. Esta máquina possuía uma unidade aritmética, responsável pelos cálculos aritméticos e operações elementares de decisão; uma memória com capacidade para mil números de 50 dígitos; uma unidade de controle que comandaria todas as partes da máquina por meio de cartões perfurados; uma entrada de dados por cartões perfurados e uma saída, que fornecería os resultados em cartões perfurados ou por meio de uma máquina de linotipia automática.
Esta máquina nunca pôde ser concluída, mas serviu de base para a primeira máquina analítica, o Mark I, construída quase um século mais tarde, em 1930 por Aiken, um professor de matemática em Harward.
O primeiro computador digno deste nome foi o ENIAC, construído em 1946, na Universidade da Pensilvania. Este computador foi o primeiro a utilizar circuitos eletrônicos, se bem que a eletrônica ainda estava dando seus primeiros passos (o ENIAC usava cerca de 18 mil válvulas e 1.500 relés).
Em 1950, no artigo já citado, Turing introduziu a questão das possibilidades de pensamento em uma máquina. Procurou, neste artigo, levantar todas as objeções e contra argumentá-las, bem como estabelecer um teste que permitisse julgar se uma máquina é "inteligente" ou não. Além de Turing, um outro matemático célebre se dedicou ao desenvolvimento do "cérebro" artificial: John Von Neumann. Este pesquisador americano, como muitos de seus seguidores, acreditava que, para se desenvolver a inteligência em uma máquina, era necessário conhecer-se primeiro o cérebro humano. Tentou, então, formular uma teoria matemática do comportamento do homem, mas, diante do tamanho descomunal dos primeiros computadores, duvidou da possibilidade de concretizar seu objetivo.
Seguiram-se numerosas discussões de caráter filosófico até que, em 1956, cunhou-se o termo "Inteligência Artificial" para estas pesquisas, numa conferência que reuniu os primeiros especialistas do ramo. Todavia, apenas o nome da disciplina foi um consenso geral. Os pesquisadores divergiam nos métodos para alcançar-se os objetivos da nova ciência. Muitos acreditavam ser necessário uma teoria e um modelo do cérebro humano, enquanto que outros achavam necessário fornecer problemas simples às máquinas já existentes.
Entretanto, estas discussões tiveram fim quando dois pesquisadores da Rand Corporation, Allen Newell e Herbert Simon descobriram que não é necessário compreender o cérebro humano para dar inteligência à máquina, mas sim compreender o comportamento humano. Ambos trabalhavam na Rand Corporation, fazendo pesquisas sobre psicosociologia para a força aérea americana e, por brincadeira, introduziram os resultados de suas pesquisas no computador, de tal maneira que a máquina reproduzisse determinados comportamentos tipicamente humanos. O resultado foi surpreendente: o computador entre outras coisas, demonstrou um teorema de matemática de uma maneira mais elegante do que a comumente aceita.
A partir daí, não mais seria necessário estudar o cérebro, mas somente suas funções, para poder se dar uma inteligência à máquina. Em outras palavras, seria preferível a psicologia à fisiologia. A partir da década de 60, muitos outros pesquisadores seguiram a linha de raciocínio de Newell e Simon, divididos em duas escolas. Uma delas, preocupada em desenvolver máquinas capazes de trabalhar com regras lógicas simples, como silogismos dó tipo:
Todos os homens são mortais
Logo, Socrates é mortal.
A outra, preocupou-se em dar às máquinas conhecimentos especializados de determinada ciência. Programas deste tipo tornaram-se famosos como, por exemplo, o Mycin, um programa para análises clínicas, baseados em sintomas do paciente.
Dentro desta filosofia, surgiu o Shrdlu, um programa destinado a pesquisas no desenvolvimento de uma teoria do aprendizado para ser aplicada na própria Inteligência Artificial. Este programa organiza objetos de acordo com as ordens de seu programador, por meio de um braço mecânico. Quando solicitado,ele descreve seu comportamento.
Eis um diálogo entre um homem e o Shrdlu:
Homem: O que a caixa contém?
Shrdlu: pirâmide azul e o cubo azul.
Homem: Quantos cubos estão fora da caixa?
Shrdlu: Quatro.
Homem: Algum deles é mais estreito do que aquele que está dentro da caixa?
Shrdlu: Sim, o cubo vermelho.
Homem: Existe um campanário fora da caixa?
Shrdlu: Desculpe, mas eu não sei o que significa campanário.
Homem: Um campanário são dois cubos e uma pirâmide empilhados.
Shrdlu: Compreendo.
Homem: Existe algum campanário?
Shrdlu: Não.
Homem: Construa um.
A máquina cumpre a ordem.
Homem: Por que você apanhou a esfera azul?
Shrdlu: Para me livrar dela.
Homem: Por que você pegou o cubo vermelho?
Shrdlu: Para colocá-lo sobre o cubo amarelo (4).
(4) Adaptado do artigo "Em Defesa dos Robôs", de Carl Sagan (1979).
Certamente este diálogo satisfaz, em parte, o teste de Turing. Poderemos confundir este computador com uma criança, se ambos estiverem fazendo o mesmo tipo de jogo, ou seja, estejam "brincando" com blocos. Se fizermos qualquer outra pergunta fora das regras do jogo que ele opera, Shrdlu não será capaz de responder satisfatoriamente.
Este é o problema básico dos programas "inteligentes": são especialistas totalmente "bitolados".
As máquinas jogadoras de xadrez
Entre os programas especialistas figuram os programas jogadores de xadrez. A razão para seu largo emprego é que o jogo de xadrez é considerado uma atividade de pessoas inteligentes, é complexo e pode ser completamente formalizado porque possui um número finito de regras fixas.
O jogo de xadrez é considerado um jogo de informação perfeita, ou seja, um jogo onde ambos os jogadores conhecem todas as regras, e têm as mesmas informações sobre o jogo, quer de si próprio, quer do adversário. Além disso, não existe uma dependência a fatores aleatórios (jogo de cartas). Um outro exemplo de jogo de informação perfeita é o conhecido jogo da velha. É característico deste tipo de jogo que, se ambos os jogadores usarem a melhor estratégia possível, o jogo terminará sempre com o mesmo resultado. No jogo da velha, este resultado é um empate e pode ser estabelecido um algoritmo para que este resultado seja atingido.
Entretanto, apesar de ser um jogo de informação perfeita, o xadrez depende da análise de inúmeras variáveis. Por exemplo, numa partida de 50 lances deveremos examinar cerca de 1O120 alternativas!
A primeira pergunta que surge é: como um jogador de xadrez, diante de tantas alternativas, procede para resolver o problema de qual é o próximo lance? A segunda é: como transferir este tipo de raciocínio para uma máquina?
Existem inúmeros programas para jogar-se xadrez, inclusive para computadores pessoais. O que se faz para resolver este problema é usar o raciocínio heurístico, ou seja, ao invés de se analisar todas as alternativas, analisa-se apenas algumas que são consideradas relevantes.
Agora surge outra pergunta: como isolar as alternativas relevantes?
O jogador humano, no início do seu aprendizado, joga aleatoriamente, perdendo muitas partidas e ganhando algumas. Durante este aprendizado ele pode receber instruções de um mestre ou aprender pela própria experiência (por exemplo, evitar o xeque pastor, após cair nesta armadilha duas ou três vezes). Pode-se também aprender com manuais e jogos de grandes mestres ou tentando resolver problemas de xadrez que aparecem em seções especializadas em alguns jornais. Com estas informações, o jogador principiante, pouco a pouco, adquire um estilo de jogo, que permitirá a ele saber quais são os lances relevantes.
Como isto ocorre, ainda não sabemos. Pode-se, à maneira de Turing, conseguir-se um resultado satisfatório, de forma que, ao analisarmos uma partida jogada por máquinas, este jogo seja semelhante a uma partida entre dois jogadores de um determinado nível (médio, por exemplo). Segundo alguns analistas de sistemas russos, pode-se construir uma máquina que jogue ao nível de um mestre nacional soviético (um nível muito bom, por sinal).
O processo empregado é, em primeiro lugar, atribuir-se valores crescentes às peças, de maneira que o peão receba o valor mínimo e o rei um valor máximo, muito maior que qualquer outra pedra (digamos 100 mil), enquanto que para a rainha, segunda peça em importância, receba, por exemplo, 100). A seguir, devemos, baseados num conhecimento prévio do jogo, atribuir valores às posições relativas às peças (por exemplo, um peão que pode ser coroado - atingindo a oitava casa — deve ter um valor bem maior que um bispo preso em uma posição difícil). A seguir, deveremos dotar a máquina de uma memória capaz de guardar uma jogada infeliz para que não mais a repita, bem como boas jogadas, para repeti-las em ocasiões oportunas. Isto deve ocorrer não apenas num lance exatamente idêntico, mas também em lances semelhantes (por exemplo, um xeque pastor é uma situação do início de jogo, mas armadilhas semelhantes podem ser empregadas no jogo médio). A máquina deve ser dotada também de uma ''prudência'', ou seja, ao analisar dois ou três lances à frente, escolhendo o lance que dará a melhor resposta diante de qualquer opção de seu adversário. Em outras palavras, a máquina não deve menosprezar o adversário.
Poderemos, ainda, ''ensinar'' a máquina a considerar certas posições possíveis como irrelevantes, pois dificilmente seriam jogadas. Como, por exemplo, se ela estiver diante de uma situação que pode conduzir a um xeque-mate do rei adversário, não há necessidade de se examinar lances de peças que não estão envolvidas nesta ação, a não ser os que podem ameaçar o seu próprio rei.
Apesar de todas estas implementações, um Grande Mestre Internacional continua sendo infinitamente mais inteligente que a melhor das máquinas de xadrez por uma razão muito simples: não sabemos como eles pensam. Parece que o seu raciocínio não emprega uma simples avaliação quantitativa, como a que desejamos impor à máquina.
Isto nos ensina uma coisa: que precisamos descobrir muita coisa a respeito do próprio homem antes de pretender avançar um pouco mais na Inteligência Artificial. •
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