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O Brasil vive, declaradamente, uma das maiores contradições do século XXI: um governo que se autoproclama progressista, social, inclusivo e moderno, mas que mantém uma política tributária medieval quando o assunto é tecnologia, inovação e cultura digital.

O discurso oficial fala em acesso, democratização e inclusão digital. Na prática, porém, o Estado impõe barreiras econômicas brutais, tornando o acesso à tecnologia um luxo restrito a poucos. E, pior: faz isso sob o pretexto de proteger a indústria nacional — uma indústria que, na maioria dos casos, sequer existe de fato em segmentos cruciais como semicondutores, microeletrônica e hardware avançado.

📜 Voltamos à Reserva de Mercado?

A analogia é inevitável. Na década de 1980, a chamada Reserva de Mercado da Informática (Lei nº 7.232/1984) proibiu a importação de hardware e software, obrigando os brasileiros a consumir produtos nacionais, muitas vezes caros, defasados e tecnologicamente inferiores.

O pretexto era nobre: proteger a nascente indústria nacional de informática. O resultado, no entanto, foi trágico: o Brasil se isolou tecnologicamente, viu sua indústria estagnar, fomentou a pirataria, e os consumidores foram condenados ao atraso tecnológico.

O fim oficial da Reserva, em 1991, parecia o encerramento desse capítulo. Mas, três décadas depois, ela ressurge — agora disfarçada de "justiça fiscal" e "proteção da indústria".

O governo atual, que se apresenta como progressista, perpetua uma política tributária que sabota o próprio progresso.

💰 Carga tributária: um crime contra a Inovação

Os números são escandalosos. No Brasil, sobre um produto de tecnologia incidem:

Imposto de Importação (II): até 60%

ICMS: de 17% a 25%, dependendo do estado

IPI: de 5% a 15% sobre produtos eletrônicos

PIS/COFINS: até 9,65% cumulativo

Taxa de Despacho Postal: R$ 15,00 por encomenda internacional, mesmo sobre itens usados ou de baixo valor

E, como se não bastasse, desde 2024, o Imposto sobre Compras Internacionais (apelidado de “imposto Shopee”), aprovado sob pressão do governo, incide sobre qualquer encomenda, independente do valor, incluindo peças usadas, itens de reposição e até materiais de caráter educativo ou histórico.

O resultado é matematicamente perverso: um produto que custa US$ 100 no exterior pode chegar a mais de R$ 1.200 no Brasil.

🔥 O capitalismo exclusivista travestido de Progressismo

Um dos aspectos mais perversos desse modelo é a falsa retórica progressista adotada por setores empresariais que, na prática, defendem um modelo econômico ultraconcentrador, excludente e anticompetitivo.

Não é coincidência que alguns dos maiores varejistas brasileiros — empresas que não fabricam, não inovam, não produzem tecnologia, apenas intermediam produtos — sejam os maiores defensores do modelo atual de taxação abusiva.

Essas empresas não se preocupam com o custo da tributação sobre tecnologia. Por quê? Porque simplesmente repassam tudo ao consumidor final. Para elas, quanto mais difícil for importar, quanto mais caro for adquirir de forma independente, melhor. Isso lhes garante monopólio comercial, ausência de concorrência real e liberdade para impor margens de lucro escandalosas, blindadas pelo protecionismo estatal.

👉 É neste contexto que figuras como Luiza Helena Trajano (Magazine Luiza), Alexandre Ostrowiecki (Multilaser) e setores associados a conglomerados como Americanas, Via Varejo (Casas Bahia e Ponto), Mercado Livre e grupos logísticos locais se apresentam publicamente como defensores de "justiça social", "progressismo" e "inclusão".

Na prática, o que defendem é um capitalismo extrativista, de varejo dependente, blindado contra qualquer forma de concorrência saudável — seja ela externa ou interna.

🏭 Produzir? Inovar? Isso não interessa a eles

A verdade factual, que não se pode ignorar, é esta:
→ Esses grandes varejistas não têm qualquer compromisso com a indústria nacional, nem com a pesquisa, nem com o desenvolvimento tecnológico.

Seu modelo de negócio é absolutamente dependente da intermediação: compram, importam, repassam, distribuem — sempre com proteção estatal, barreiras alfandegárias, taxação seletiva e isenção de qualquer concorrência direta vinda do exterior.

Enquanto isso, makers, startups, laboratórios, universidades, museus, centros de pesquisa e microempreendedores lutam para sobreviver em um ambiente absolutamente hostil, no qual não há acesso a componentes, ferramentas, nem insumos básicos — porque tudo é tributado como se fosse artigo de luxo.

🏴‍☠️ O Estado e o Grande Varejo: uma parceria contra o cidadão

O que se observa no Brasil de hoje é uma simbiose tóxica: o Estado, travestido de "progressista", funciona como fiador dos interesses do grande varejo.

→ Barra-se a concorrência externa com impostos abusivos.
→ Asfixia-se a indústria nacional que depende de tecnologia e insumos importados.
→ Desestimula-se qualquer forma de empreendedorismo tecnológico.
→ E, assim, garante-se aos gigantes do varejo o privilégio de vender pelo preço que quiserem, num mercado artificialmente fechado e distorcido.

📜 O mito do "Progressismo Empresarial"

Quando vemos executivos e empresários se apresentarem como “defensores da inclusão social”, é fundamental perguntar:
→ Inclusão de quem?

A resposta é desconcertante: não é inclusão produtiva, nem tecnológica, nem científica. É inclusão no consumo dependente, no endividamento contínuo, no acesso subordinado a produtos caros, de baixa qualidade, sem autonomia tecnológica e sem soberania digital.

Isso não é socialismo. Isso não é progressismo.
→ Isso é capitalismo de compadrio, é protecionismo cartorial, é a destruição programada da indústria, da inovação e da inteligência tecnológica brasileira.

⚙️ O Resultado: a tragédia da estagnação

O Brasil não apenas perde sua capacidade de inovar — perde sua própria memória tecnológica.

Museus, como o próprio Museu OldBits, que lutam para preservar a história da computação, são tratados como consumidores comuns, obrigados a pagar 80%, 100%, 120% de imposto sobre peças históricas, componentes obsoletos ou equipamentos que sequer são produzidos há décadas.

Enquanto o discurso progressista circula em manchetes, a prática é um capitalismo selvagem, travestido de inclusão, mas baseado na exclusão, no monopólio comercial e na negação do acesso à tecnologia.

A preservação da história da computação, da cultura digital e do acesso à tecnologia não pode ser refém de políticas públicas arcaicas, nem de governos que, independentemente do viés ideológico, tratam tecnologia como artigo de luxo.

O que defendemos não é privilégio. É lógica, é racionalidade econômica, é compromisso com o futuro.

🗣️ Ou mudamos esse modelo, ou continuaremos colecionando, além de computadores antigos, o velho e trágico atraso que sempre caracterizou nossa história tecnológica.

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Para citar este artigo em ABNT:
SILVA FILHO, S∴ "Impostos abusivos na Tecnologia: Uma nova Reserva de Mercado?". Old Bits, a mágica dos 8 bits. São Paulo. 2025. Disponível em: https://oldbits.com.br/editorial/94-impostos-abusivos-na-tecnologia-uma-nova-reserva-de-mercado. Acesso em: 24 de jun. de 2025.
Para citar este artigo em APA:
SILVA FILHO, S∴ (2025, jun 16). Impostos abusivos na Tecnologia: Uma nova Reserva de Mercado?. Old Bits, a mágica dos 8 bits. Recuperado em junho 24, 2025, em https://oldbits.com.br/editorial/94-impostos-abusivos-na-tecnologia-uma-nova-reserva-de-mercado.
Para citar este artigo em ISO:
SILVA FILHO, S∴, 2025. Impostos abusivos na Tecnologia: Uma nova Reserva de Mercado? [online]. [visto em 24 de junho de 2025]. Disponível em https://oldbits.com.br/editorial/94-impostos-abusivos-na-tecnologia-uma-nova-reserva-de-mercado.
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SILVA FILHO, S∴ "Impostos abusivos na Tecnologia: Uma nova Reserva de Mercado?". Old Bits, a mágica dos 8 bits. Web. 24 jun, 2025.
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