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A preservação da história da informática constitui parte integrante do patrimônio cultural e tecnológico de qualquer sociedade moderna, envolvendo equipamentos, softwares e documentação técnica, não é apenas um gesto de nostalgia: trata-se de uma necessidade histórica, educacional e científica. Entretanto, no Brasil, essa dimensão permanece praticamente invisível no escopo das políticas públicas — mesmo após décadas de avanços no campo da tecnologia da informação.
No Brasil, apesar dos avanços em tecnologia da informação, observa-se uma carência de políticas públicas específicas que garantam a conservação de acervos digitais e equipamentos históricos.
🧠 Preservação Digital x Preservação da História da Informática
Embora muitas vezes confundidos, preservação digital e preservação da história da informática são áreas distintas, ainda que possam se sobrepor em alguns contextos. A diferença entre elas está no objeto de preservação e na finalidade do esforço de preservação.
📁 Preservação Digital
É o cuidado com conteúdos digitais para que continuem acessíveis no futuro.
- 📦 Arquivos digitais, sites, softwares
- 🛠️ Técnicas: migração de formatos, emulação, backup
- 🎯 Objetivo: manter o acesso e uso mesmo com a evolução da tecnologia
Exemplo: Garantir que um vídeo feito hoje ainda possa ser visto daqui a 30 anos.
A preservação digital trata da manutenção do acesso a conteúdos digitais ao longo do tempo. Seu objetivo principal é garantir que arquivos digitais — como documentos, imagens, vídeos, softwares, bancos de dados e páginas web — continuem legíveis, íntegros e utilizáveis no futuro, mesmo com a constante obsolescência de tecnologias e formatos.
- Foco: Conteúdo digital (independente do valor histórico ou tecnológico)
- Exemplos de ações:
- Migração de arquivos para novos formatos
- Emulação de ambientes para rodar softwares antigos
- Redundância de armazenamento em mídias seguras
- Finalidade: Garantir o acesso contínuo e confiável a informações digitais
🖥️ Preservação da História da Informática
Já a preservação da história da informática trata da documentação, conservação e interpretação da evolução tecnológica dos computadores, softwares e sistemas. O objetivo aqui é registrar e estudar como a informática se desenvolveu, quem foram seus protagonistas, quais foram as tecnologias marcantes, e como elas influenciaram a sociedade.
- Foco: Equipamentos, sistemas, documentos históricos, relatos, objetos simbólicos
- Exemplos de ações:
- Conservação de computadores antigos (hardware)
- Arquivamento de manuais, códigos-fonte históricos e entrevistas com pioneiros
- Criação de museus, exposições e acervos temáticos
- Finalidade: Preservar a memória histórica e compreender a evolução tecnológica e cultural da informática
É o cuidado com a memória da tecnologia. Registra como a informática evoluiu.
- 🖨️ Computadores antigos, manuais, entrevistas, fotos, códigos
- 🏛️ Técnicas: restauração de hardware, criação de acervos históricos
- 🎯 Objetivo: contar a história da computação e seu impacto na sociedade
Exemplo: Restaurar um computador dos anos 1980 para mostrar como era usado.
🔄 Como se relacionam?
As duas áreas podem se cruzar. Por exemplo, a preservação de um software pioneiro pode ser tanto uma ação de preservação digital (manter o programa executável) quanto uma ação de preservação histórica (documentar o impacto daquele software na evolução da computação).
Preservar um software antigo pode ser:
- ✅ Preservação digital (mantê-lo funcionando)
- ✅ Preservação histórica (registrar seu papel na evolução da tecnologia)
🧩 Resumo Visual
Preservação Digital | História da Informática | |
---|---|---|
🧱 Foco | Conteúdo digital | Memória e objetos históricos |
🎯 Finalidade | Acesso futuro | Compreensão do passado |
🛠️ Técnicas | Backup, emulação, migração | Restauração, curadoria |
📚 Exemplos | Arquivo .doc acessível | Computador MSX restaurado |
📚 Preservação Digital no Brasil
O Brasil possui dispositivos legais que regulamentam a guarda e a preservação de documentos — como a Lei nº 8.159/1991, que institui a política nacional de arquivos públicos e privados — mas essas legislações raramente tocam a preservação da história tecnológica, tampouco mencionam o patrimônio informático e eletrônico.
Segundo estudo publicado na revista Ciência da Informação, poucas instituições brasileiras implementaram políticas de preservação digital. Destacam-se a Câmara dos Deputados e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) como exemplos de iniciativas nesse sentido.
O Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) também publicou sua Política de Preservação Digital, visando garantir a longevidade dos acervos digitais sob sua custódia.
Algumas instituições se destacam isoladamente:
- A Câmara dos Deputados e a UNICAMP implementaram políticas internas de preservação digital.
- O IBICT publicou sua Política de Preservação Digital, voltada à longevidade de seus acervos eletrônicos.
- O IPHAN lançou um repositório digital de bens culturais registrados, mas que ainda não abrange o patrimônio tecnológico.
🏛️ Alguns exemplos de Políticas Públicas de Preservação Digital no Brasil (2005–2025)
🇧🇷 Governo Federal
O Brasil possui um arcabouço legal que estabelece diretrizes para a preservação de documentos públicos e privados. A Lei nº 8.159/1991 institui a política nacional de arquivos públicos e privados, atribuindo ao Arquivo Nacional a responsabilidade pela gestão e recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem como pela implementação da política nacional de arquivos.
Além disso, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) publicou sua Política de Preservação Digital, visando garantir a longevidade dos acervos digitais sob sua custódia.
No entanto, nada é feito acerca das tratativas para a memória nacional da informática brasileira.
A Política Nacional de Museus, lançada em 2003, busca fortalecer o setor museal brasileiro. No entanto, não há menção específica à preservação digital ou à história da informática.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) lançou um repositório digital dos bens culturais registrados, mas a iniciativa ainda não abrange plenamente o patrimônio tecnológico.
🏙️ Estado de São Paulo
Em São Paulo, o Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP) desenvolveu uma Política de Gestão e Preservação de Documentos Digitais, estabelecendo diretrizes para a conservação de seus acervos digitais. No entanto, nada parece ser feito para a preservação dos acervos tecnológicos.
🌆 Estado do Rio de Janeiro
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro implementou diretrizes para a preservação digital de seus documentos, reconhecendo a importância da conservação de informações digitais para a memória institucional. Porém, acerca das mídias (meio físico) onde as informações digitais são preservadas, nada foi feito. Somente a simples cópia das informações em mídias novas e, muitas vezes, na nuvem, sem critério de preservação museológica.
🏞️ Estado de Minas Gerais
Minas Gerais conta com o Conselho Estadual de Arquivos (CEA), cuja principal finalidade é a elaboração de estudos e normas necessárias à implementação da política estadual de arquivos públicos, incluindo a preservação digital. Porém, nada se percebe, de concreto, na museologia do acervo digital.
🌄 Estado de Santa Catarina
O Arquivo Público de Santa Catarina iniciou projetos de digitalização de seus acervos, visando preservar o patrimônio e a memória histórica do estado registrada em documentos manuscritos, datilografados ou impressos. No entanto, à semelhança de outros estados, trata-se somente da simples cópia das informações em mídias novas e, muitas vezes, na nuvem, sem critério de preservação museológica.
🌾 Estado do Paraná
O Governo do Paraná integrou-se à Estratégia Nacional de Governo Digital, buscando a transformação digital da administração pública, perdendo, consequentemente, todo o acervo histórico.
🌽 Estado do Rio Grande do Sul
O Governo do Rio Grande do Sul apresentou uma nova política de Tecnologia da Informação e Comunicação, com foco na transformação digital e na melhoria dos serviços públicos, renovando sem critério museológico e histórico, perdendos-e, assim, o caráter de preservação da história da informática.
🏛️A Importância da Preservação da História da Informática
A história da informática é parte integrante do patrimônio cultural contemporâneo. Preservar equipamentos, softwares e documentos relacionados à evolução tecnológica é fundamental para futuras gerações compreenderem o desenvolvimento da sociedade digital.
É importante, para o conhecimento e a cultura futura, que o Brasil desenvolva e implemente políticas públicas específicas para a preservação digital, com foco na história da informática. Isso inclui o reconhecimento do valor cultural dos acervos tecnológicos e o apoio a instituições dedicadas à sua conservação.
A preservação da história da informática é essencial para compreender a evolução tecnológica e cultural de uma nação. No Brasil, apesar dos avanços em tecnologia da informação, observa-se uma carência de políticas públicas específicas que garantam a conservação de acervos digitais e equipamentos históricos.
🧮 A Invisibilidade Institucional da História Tecnológica
Apesar de sua importância inquestionável para a formação cultural, científica e econômica do país, a história da informática permanece ausente das agendas de preservação patrimonial no Brasil. O legado tecnológico dos anos 1970, 1980 e 1990 — composto por circuitos, teclados amarelecidos, telas verdes e linhas de código em BASIC — está se apagando diante dos nossos olhos, sem que o Estado esboce qualquer reação.
Enquanto órgãos públicos voltam-se à digitalização administrativa e ao discurso da “transformação digital”, os vestígios físicos e digitais de uma era que moldou o presente são negligenciados e apagados da história. Equipamentos históricos antigos, muitas vezes funcionando, são eliminados como sucata, para desmontagem e reciclagem. Ainda que a reciclatem seja uma iniciativa moderna importante, a preservação da história é ainda mais importante para a humanidade. Relegue-se a reciclagem aos materiais de fato inutilizáveis, a história não é lixo. Nenhum museu estatal, nenhuma diretiva federal, nenhum orçamento contempla com seriedade a memória da microeletrônica nacional.
Diante desse vácuo, o que resta são os indivíduos. Entusiastas, colecionadores, educadores, restauradores e autodidatas — pessoas que, por paixão, senso de dever ou memória afetiva, recolhem os fragmentos dessa história e os mantêm vivos em porões, oficinas, sites e fóruns. São eles que reconstroem cabos, soldam trilhas corroídas, digitalizam revistas esquecidas, gravam fitas cassete em WAV, e compartilham gratuitamente seu trabalho com gerações que nem viveram aquela época.
É um esforço silencioso, feito muitas vezes no anonimato, com poucos recursos, sem incentivos — mas com um compromisso admirável com o futuro. Porque preservar não é apenas guardar: é escolher o que merece ser lembrado. E, neste país, quem escolheu lembrar da história da tecnologia foram aqueles que, mesmo sem apoio, decidiram que esquecer seria uma forma de perder a si mesmos.
Enquanto o Estado se cala, são essas mãos anônimas que escrevem, soldam e digitalizam a história — uma memória por vez. E isso, por si só, já é um ato de resistência.
💾 O Papel dos Entusiastas e da Sociedade Civil
Frente à ausência de políticas públicas voltadas à memória digital e tecnológica, o protagonismo recai sobre a sociedade civil. Projetos como o Museu OldBits, o Datassette, o Old Players, o Retrópolis, entre outros, são iniciativas solitárias — muitas vezes sustentadas por recursos próprios, esforço voluntário e comprometimento pessoal com a história da tecnologia nacional.
Esses acervos preservam fitas cassete, disquetes, ROMs de computadores extintos, manuais técnicos digitalizados, revistas como a Micro Sistemas e documentos que não existem em bibliotecas públicas ou centros acadêmicos.
A história da informática é parte integrante do patrimônio cultural contemporâneo. Preservar equipamentos, softwares e documentos relacionados à evolução tecnológica é fundamental para futuras gerações compreenderem o desenvolvimento da sociedade digital.
É imperativo que o Brasil desenvolva e implemente políticas públicas específicas para a preservação digital, com foco na história da informática. Isso inclui o reconhecimento do valor cultural dos acervos tecnológicos e o apoio a instituições dedicadas à sua conservação.
📚 Referências Bibliográficas
- SOUZA, R. M.; DIAS, R. C. Políticas de preservação digital no Brasil: características e implementações. Ciência da Informação, Brasília, v. 49, n. 3, p. 63–79, 2021. Disponível em: https://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1351. Acesso em: 25 maio 2025.
- INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA (IBICT). Ibict publica sua Política de Preservação Digital. Brasília: IBICT, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/ibict/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2021/outubro2021/ibict-publica-sua-politica-de-preservacao-digital. Acesso em: 25 maio 2025.
- INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). Política Nacional de Museus. Brasília: IBRAM, 2003. Disponível em: https://www.gov.br/museus/pt-br/assuntos/politicas-do-setor-museal/politica-nacional-de-museus. Acesso em: 25 maio 2025.
- INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Iphan lança repositório digital dos Bens Culturais Registrados. Brasília: IPHAN, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/iphan/pt-br/assuntos/noticias/iphan-lanca-repositorio-digital-dos-bens-culturais-registrados. Acesso em: 25 maio 2025.
- ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Política de preservação digital. Brasília: Arquivo Nacional, 2010. Disponível em: https://www.gov.br/arquivonacional/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/Politica_Preservacao_Digital_v2.pdf. Acesso em: 25 maio 2025.
- INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA (IBICT). Política de preservação digital do IBICT. Brasília: IBICT, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/ibict/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas-1/governanca-1/politica-de-preservacao-digital-do-ibict. Acesso em: 25 maio 2025.
- ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (APESP). APESP apresenta sua Política de Gestão e Preservação de Documentos Digitais. São Paulo: APESP, 2022. Disponível em: https://www.arquivoestado.sp.gov.br/web/noticia/ler/apesp-apresenta-sua-politica-de-gestao-e-preservacao-de-documentos-digitais. Acesso em: 25 maio 2025.
- MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (MPRJ). Política de preservação digital. Rio de Janeiro: MPRJ, 2023. Disponível em: https://www.aaerj.org.br/ojs/index.php/informacaoarquivistica/article/view/146. Acesso em: 25 maio 2025.
- GOVERNO DE MINAS GERAIS. Estratégia de Governo Digital 2025: serviços públicos mais ágeis, acessíveis e eficientes. Belo Horizonte: Governo de Minas Gerais, 2024. Disponível em: https://www.mg.gov.br/planejamento/noticias/estrategia-de-governo-digital-2025-servicos-publicos-mais-ageis-acessiveis-e. Acesso em: 25 maio 2025.
- SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO DE SANTA CATARINA (SEA). Arquivo Público de Santa Catarina terá acervo digitalizado. Florianópolis: SEA, 2020. Disponível em: https://www.sea.sc.gov.br/blog/imortal-arquivo-publico-de-santa-catarina-tera-acervo-digitalizado/. Acesso em: 25 maio 2025.SEA
- GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Arquivo Público do Paraná. Curitiba: Governo do Paraná, 2025. Disponível em: https://www.administracao.pr.gov.br/ArquivoPublico. Acesso em: 25 maio 2025.
- GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Estratégia Digital RS.GOV.BR. Porto Alegre: Governo do Rio Grande do Sul, 2025. Disponível em: https://www.rs.gov.br/upload/arquivos/202504/15103527-estrategia-digital-2025-pdf.pdf. Acesso em: 25 maio 2025.
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