Computadores esquecidos    

A história da computação é um mosaico fascinante de conquistas tecnológicas, grandes sucessos e curiosidades intrigantes. Máquinas icônicas como o IBM PC, o Apple II e o Commodore 64 são lembradas como marcos de uma era que transformou a sociedade, levando a tecnologia para os lares e abrindo portas para a era digital. Esses computadores não apenas definiram padrões, mas também serviram como inspiração para gerações de desenvolvedores e engenheiros. Contudo, para cada máquina celebrada, há um número quase esquecido de dispositivos que, embora menos conhecidos, desempenharam papéis fundamentais ao trazer inovações ousadas e soluções criativas para os desafios do seu tempo.

Essas máquinas "esquecidas" muitas vezes foram pioneiras em conceitos que só seriam amplamente reconhecidos anos ou décadas depois. Algumas introduziram tecnologias de interface, outras, arquiteturas de hardware visionárias, enquanto algumas ousaram redefinir o que um computador pessoal poderia ser. Apesar de muitas terem desaparecido das prateleiras e do imaginário coletivo, elas ajudaram a pavimentar o caminho para os dispositivos que usamos hoje.

   

Nabu PCA curiosa história do Nabu PC:
O pioneiro esquecido da Computação Conectada

John Kelly foi um empresário com experiência em telecomunicações, que acreditava no potencial de conectar lares por meio de redes de TV a cabo. Na época, essa tecnologia era mais conhecida pela transmissão de sinais de televisão, e não pela sua aplicação em computação. Kelly teve a ideia revolucionária de usar essas redes para transmitir dados, uma visão que o levou a negociar contratos com operadoras de TV a cabo no Canadá. O objetivo era criar a infraestrutura necessária para suportar a transmissão de dados para uma nova invenção: os Nabu PCs. Sua proposta era transformar os computadores em dispositivos menos dependentes de armazenamento físico, como disquetes, e mais voltados para o acesso contínuo a serviços e informações.

Para concretizar sua visão, Kelly se associou a Rollie Cole, um estrategista corporativo que assumiria a responsabilidade pelo marketing e pelo desenvolvimento de negócios. Juntos, fundaram a Nabu Network, uma empresa canadense com um projeto ambicioso: criar uma rede doméstica de computadores pessoais interconectados, capazes de receber software e conteúdo diretamente por cabo. Esse conceito antecipava o modelo moderno de streaming de dados e foi materializado com o lançamento do Nabu Personal Computer em 1982.

O Nabu PC era equipado com o processador Zilog Z80A, 64 KB de RAM, gráficos coloridos e uma interface para conexão à rede de dados da empresa. O grande diferencial do sistema era sua integração com a Nabu Network, que utilizava redes de TV a cabo para transmitir programas, jogos e atualizações de software diretamente para os usuários. A proposta era transformar o computador em uma "janela" para serviços contínuos, dispensando o uso de disquetes ou armazenamento local para grandes volumes de dados.

O papel de Cole foi essencial para atrair investidores e consumidores. Ele acreditava que o Nabu PC poderia se tornar o centro de entretenimento e produtividade doméstica. No entanto, a implementação desse conceito enfrentou obstáculos tecnológicos significativos. As limitações das redes de TV a cabo na época, como alcance insuficiente e custos elevados, dificultaram a viabilização do projeto. Além disso, o mercado ainda não estava preparado para adotar computadores conectados de forma contínua. Nos anos 1980, o uso de computadores era restrito a entusiastas e empresas, e a ideia de "computação conectada" parecia excessivamente avançada para o consumidor médio.

Apesar de campanhas publicitárias e demonstrações públicas para promover o Nabu PC, as vendas ficaram aquém das expectativas. A infraestrutura técnica da época não era confiável o suficiente, e o custo elevado do hardware limitou o público-alvo. Como resultado, a Nabu Network teve que encerrar suas atividades poucos anos após o lançamento do produto.

Embora o Nabu PC tenha falhado comercialmente, tanto Kelly quanto Cole deixaram um legado como pioneiros em um campo que hoje é fundamental para a computação moderna: a conectividade em tempo real. Sua visão antecipou muitos dos avanços tecnológicos que definiriam a computação nas décadas seguintes, como o streaming de dados e a interconexão contínua entre dispositivos.

A Redescoberta do Nabu e o Papel dos Entusiastas
Após a falência da Nabu Network em meados da década de 1980, os computadores remanescentes caíram no esquecimento. Décadas depois, em 2022, um evento inusitado trouxe o Nabu de volta aos holofotes. Estoques intactos de unidades foram descobertos e colocados à venda no eBay. Isso despertou o interesse da comunidade de tecnologia retrô, que viu na redescoberta do Nabu uma oportunidade única de explorar sua história e funcionalidade.

David Hill, um desenvolvedor especializado em sistemas legados, foi um dos primeiros a adquirir e documentar o funcionamento do Nabu PC. Ele liderou esforços para recriar partes da rede original da Nabu Network, desenvolvendo emuladores que simulavam o ambiente de transmissão de dados via cabo. Hill também escreveu extensivamente sobre os desafios técnicos enfrentados pela empresa nos anos 1980, fornecendo uma perspectiva detalhada sobre a viabilidade tecnológica da época.

Outro destaque foi Adrian Black, um restaurador de computadores históricos. Ele não apenas documentou o hardware do Nabu PC, mas também liderou projetos colaborativos para restaurar e preservar suas funcionalidades. Black utilizou plataformas como YouTube para compartilhar o progresso de suas pesquisas, o que ajudou a mobilizar outros entusiastas ao redor do mundo.

A partir desses esforços, a comunidade conseguiu reconstruir uma rede funcional que emula a experiência original do Nabu Network. Esse trabalho colaborativo não apenas resgatou o Nabu do esquecimento, mas também trouxe à tona discussões sobre como ideias visionárias podem estar à frente de seu tempo e, por isso, fracassar comercialmente antes de serem compreendidas por completo.

A redescoberta e o ressurgimento da história do Nabu ocorreram majoritariamente através de entusiastas, historiadores de tecnologia e desenvolvedores que reconheceram a importância histórica do sistema. John Kelly faleceu em julho de 2022, pouco tempo depois do evento ter ganhado atenção na comunidade de tecnologia retrô, e não há relatos de que ele tenha tido conhecimento ou reagido ao ocorrido. Já Rollie Cole faleceu em maio de 2023, mas também não há registros de declarações ou participações dele relacionadas à redescoberta e aos esforços da comunidade para recriar a Nabu Network. Se os fundadores tomaram conhecimento do movimento, isso permanece como uma possibilidade não documentada.

A curiosa história recente do Nabu se tornou um marco na retrocomputação, mostrando como o passado tecnológico pode ser redescoberto e valorizado por meio da dedicação de entusiastas e historiadores.

   

Tandy TRS-80: o precursor acessível

Arquitetura: Baseado no processador Zilog Z80, operava a 1,77 MHz e vinha equipado com 4 KB de RAM, expansível para 16 KB. Utilizava fitas cassete como meio de armazenamento primário.

Lançado em 1977 pela Tandy Corporation, o TRS-80 foi um dos primeiros computadores pessoais de sucesso comercial. Com um preço relativamente acessível, ele trouxe a computação para pequenas empresas e entusiastas, permitindo tarefas como processamento de texto e gerenciamento de dados. Apesar disso, sua popularidade diminuiu rapidamente na década de 1980, eclipsada por concorrentes como o Apple II.

Curiosidade: o apelido "Trash-80" surgiu como uma brincadeira entre os usuários devido às limitações de hardware e software, mas também reflete o carinho com que o TRS-80 era lembrado.

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Sharp MZ-80: inovação modular

Arquitetura: Processador Zilog Z80 operando a 2 MHz, com 16 KB de RAM e suporte a gráficos monocromáticos.

A série Sharp MZ, iniciada com o MZ-80 em 1978, foi pioneira em um design modular, onde periféricos como gravadores de fita e impressoras podiam ser acoplados de forma integrada. Diferente de muitos concorrentes, ele não vinha com software em ROM, o que permitia aos usuários maior liberdade para programar e criar aplicativos personalizados. Apesar de popular no Japão e em alguns países europeus, a série MZ nunca alcançou sucesso global.

Osborne 1: o primeiro computador portátil

Arquitetura: Alimentado pelo processador Zilog Z80 a 4 MHz, vinha com 64 KB de RAM e dois drives de disquete de 5,25 polegadas.

Em 1981, o Osborne 1 foi lançado como o primeiro computador portátil, mesmo que o conceito de “portátil” fosse relativo — ele pesava mais de 10 kg! Equipado com uma tela de 5 polegadas e software como o WordStar e o SuperCalc, ele foi um marco. Contudo, erros de marketing e o lançamento de modelos concorrentes mais avançados levaram ao colapso da Osborne Computer Corporation.

 

xerox alto    

Xerox Alto: à frente de seu tempo

Arquitetura: Equipado com um processador bit-slice de 16 bits e 128 KB de RAM. Sua interface gráfica suportava resoluções de 606x808 pixels em preto e branco.

Desenvolvido em 1973, o Xerox Alto foi o primeiro computador a introduzir uma interface gráfica (GUI) e um mouse. Apesar de nunca ter sido comercializado em larga escala, ele inspirou diretamente o desenvolvimento do Apple Lisa e do Macintosh. Sua exclusividade e preço elevado, por volta de 16 mil dólares na época (algo em torno de 49 mil dólares atualmente, ou mais de 200 mil reais😲) fizeram dele uma peça de laboratório mais do que um produto popular, tanto que sequer se encontram propagandas de época em jornais em revistas da Xerox oferecendo o Alto aos consumidores.

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CCE MC-1000: o Brasil em destaque

Arquitetura: Baseado no processador Zilog Z80A, com 16 KB de RAM, expansível para 48 KB, e gráficos em resolução de 256x192 pixels.

O MC-1000, fabricado pela CCE nos anos 1980, foi uma tentativa brasileira de democratizar o acesso à computação. Com compatibilidade limitada e um design que lembrava o ZX-81, ele enfrentou dura concorrência de modelos mais robustos como o MSX. Apesar disso, o MC-1000 foi um marco na história da computação nacional, mostrando a capacidade brasileira de inovar em um mercado desafiador.

Clones brasileiros notáveis: o Microdigital TK85, inspirado no ZX Spectrum, e o Prológica CP 400, um clone do TRS-80 Color Computer.

Commodore PET: o pioneiro educacional

Arquitetura: Baseado no processador MOS 6502 operando a 1 MHz, com 4 KB a 32 KB de RAM e gráficos monocromáticos.

Lançado em 1977, o PET (Personal Electronic Transactor) foi um dos primeiros computadores pessoais integrados com teclado, monitor e gravador de fita em uma única unidade. Muito utilizado em escolas e escritórios, ele abriu portas para o sucesso posterior do Commodore 64. Apesar disso, foi rapidamente superado por máquinas mais potentes e acessíveis.

Amstrad CPC: o computador europeu

Arquitetura: Alimentado pelo processador Zilog Z80 a 4 MHz, com RAM variando entre 64 KB e 128 KB, e gráficos coloridos suportando até 27 cores.

A série Amstrad CPC (Colour Personal Computer), lançada em 1984, foi muito popular na Europa, oferecendo uma solução integrada com monitor e gravador de fitas. Ele era particularmente querido por gamers e programadores amadores. Apesar do sucesso regional, o Amstrad CPC teve dificuldade em competir com máquinas como o Commodore 64 e o MSX em escala global.

Valorizar o esquecido

Esses computadores esquecidos representam mais do que circuitos e chips; eles são testemunhos da criatividade e engenhosidade humana. Cada um deles trouxe inovações que ajudaram a moldar a tecnologia moderna. Valorizar essas máquinas é uma forma de reconhecer os passos que nos trouxeram até aqui.

Os clones brasileiros adicionam uma camada fascinante a essa história. Muitas dessas adaptações locais foram criadas em tempos de restrições de importação, destacando a engenhosidade dos fabricantes nacionais e sua capacidade de atender ao mercado interno. Em uma época em que recursos eram escassos, os engenheiros brasileiros demonstraram criatividade ao adaptar tecnologias estrangeiras às realidades locais.

No Museu OldBits, essas histórias ganham vida. Entre conexões instáveis, telas foscas e interfaces rudimentares, encontramos um mundo rico de curiosidades e aprendizados. Por exemplo, sabia que muitos modelos tinham códigos de inicialização personalizados para carregar jogos? Ou que alguns engenheiros escondiam pequenas mensagens secretas nos ROMs dos sistemas?

Preservar essas relíquias não é apenas uma questão de nostalgia, mas também de aprendizado. Cada uma dessas máquinas pode inspirar soluções tecnológicas atuais, como o uso de design modular, exemplificado pelo Sharp MZ-80, que pode ser adaptado a dispositivos móveis e modulares modernos, ou a eficiência energética e o foco em portabilidade vistos no Osborne 1, que ressoam nas práticas de design de notebooks e tablets compactos. Além disso, o Xerox Alto nos mostra a importância da interface amigável, que hoje é um padrão em todos os sistemas operacionais. Até mesmo as inovações brasileiras, como o CCE MC-1000, nos lembram que a criatividade pode superar limitações econômicas, destacando o valor de soluções locais e adaptadas para mercados específicos. Essas máquinas contam histórias de superação, de experimentação e, claro, de uma boa dose de paciência — afinal, quem nunca esperou 15 minutos para carregar um jogo via fita cassete?

Venha conhecer, explorar e se apaixonar por essas relíquias digitais. Afinal, no universo da tecnologia, até o “esquecido” tem um papel essencial.

Referências

  • Ceruzzi, P. "A History of Modern Computing." MIT Press, 2003.
  • Freiberger, P., Swaine, M. "Fire in the Valley: The Birth and Death of the Personal Computer." McGraw-Hill, 2000.
  • Old-Computers.com. "Historical Computers." Disponível em: www.old-computers.com.
  • Museu OldBits. Acervo digital e histórico. Disponível em: www.oldbits.com.br.

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Para citar este artigo em ABNT:
SILVA FILHO, J. "Computadores Esquecidos: máquinas que merecem um lugar na história". Old Bits, a mágica dos 8 bits. São Paulo. 2025. Disponível em: https://oldbits.com.br/historia/63-computadores-esquecidos-maquinas-que-merecem-um-lugar-na-historia. Acesso em: 05 de Fev. de 2025.
Para citar este artigo em APA:
SILVA FILHO, J. (2025, Jan 19). Computadores Esquecidos: máquinas que merecem um lugar na história. Old Bits, a mágica dos 8 bits. Recuperado em fevereiro 05, 2025, em https://oldbits.com.br/historia/63-computadores-esquecidos-maquinas-que-merecem-um-lugar-na-historia.
Para citar este artigo em ISO:
SILVA FILHO, J., 2025. Computadores Esquecidos: máquinas que merecem um lugar na história [online]. [visto em 05 de fevereiro de 2025]. Disponível em https://oldbits.com.br/historia/63-computadores-esquecidos-maquinas-que-merecem-um-lugar-na-historia.
Para citar este artigo em MLA:
SILVA FILHO, J. "Computadores Esquecidos: máquinas que merecem um lugar na história". Old Bits, a mágica dos 8 bits. Web. 05 Fev, 2025.
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