Tron uma odisseia eletronica destaque2

Desde que o inventor Louis Le Prince mostrou "ao mundo" o primeiro filme, em 1888, a sétima arte apresenta, de tempos em tempos, rampantes de novidades que assombram as pessoas. O "filme" de Louis, intitulado Roundhay Garden Scene, tinha somente 2 segundos, mas surpreendeu ao mostrar movimento onde antes somente haviam fotos paradas. Filmes sequer existiam até pouco menos de 150 anos atrás, mas a partir de Louis, se tornaram fonte de alegrias e tristezas, esperança e medo, uma profusão de sensações que hoje é comum aos cidadãos do século XXI.

Tecnicamente, as "modernas inovações" do cinema não são novas: o diretor Nat Geverich lançou The Power of Love em 1922, o primeiro filme em 3D, ainda na era do cinema mudo. The Power of Love exigia que as pessoas utilizassem aqueles antigos óculos de papelão e celofane verde e vermelho para obterem a sensação de filme estereoscópico. Cinco anos depos, em 1927, Alan Crosland lançaria o primeiro filme sonorizado, The Jazz Singer. O filme ficou anos em cartaz até a total readaptação das salas de cinema, pois nenhuma estava preparada para apresentar filme com som.

wizardofoz  

O advento dos filmes coloridos não tem uma data definida, mas pode-se dizer que houveram tentativas desde 1914, ainda que não muito boas. É desta época o filme britânico The world, the flesh and the devil, de Floyd Martin Thornton. No entanto, provavelmente o primeiro filme colorido de ampla abrangência, com total sucesso, tenha sido The wizard of Oz, em 1939, de Victor Fleming (veja neste link, no texto de Arthur Lula Mota, uma brilhante interpretação de Ricardo Veles que associa o romance O Mágico de Oz, de Frank Baum, 1900, com o cenário político e econômico que o escritor vivia na época).

Na tentativa de impressionar, até mesmo soluções pouco ortodoxas foram utilizadas. Em 1959, para aumentar o susto dos espectadores em filmes de suspense ou terror, algumas salas de cinema norte-americanas contavam com cadeiras elétricas (sim, isso mesmo!) para dar choques nos cinéfilos despreparados, acompanhando os momentos de susto dos filmes. Obviamente essa solução bizarra não foi bem recebida e logo desapareceu no tempo.

  Fuji group Expo70
  Pavilhão Fuji Group - Expo Osaka 1970

As telas de altíssima resolução surgiram no país mais tecnológico do século passado: Japão, 1970, no pavilhão Fuji Group da Expo "Progresso e Harmonia para a Humanidade" (Ōsaka Banpaku 大阪万博) foi apresentado ao público o curta metragem "Tiger Child" na primeira tela IMAX do mundo, causando espanto e furor nos amantes do cinema. Já em 1979, o conhecidíssimo (e controverso) filme Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, inaugurou o som Dolby Estereo, com quatro canais distintos de som (esquerda, direita, centro e surround, este último correspondendo aos sons de baixa frequência que "explodem" nas sensações dos filmes.

Snow White and the seven dwarfs  

Além da tecnologia, o trabalho com as emoções, sensações e mensagens transmitidas nos filmes também evoluíram constantemente no século XX: desde ...e o vento levou (Gone in the wind, Victor Fleming, 1939) e Guerra nas Estrelas (Star Wars, George Lucas, 1977), até as animações de Walt Disney, representadas pelo desbravador Branca de Neve e os sete anões (Snow White and the Seven Dwarfs, David Hand, 1937), que carrega em sua história toda a persistência de Walt Disney para criar seu primeiro desenho de longa metragem, além de evidenciar a obsessão de Disney pela tecnologia: Branca de Neve e os sete anões foi lançado inicialmente com a tecnologia em cores, mas com cenários fixos, confeccionados com a forma comum de acetato sobre cenário estático. Durante o desenvolvimento da animação, surgiu a tecnologia de cenários com foco separado, passando uma sensação de "3D" ao espectador. Walt Disney não hesitou um segundo: ordenou que o filme fosse construído novamente, desde o zero, utilizando a nova tecnologia. A aposta de Walt Disney em Branca de Neve e os sete anões foi imensa: Disney dispendeu absolutamente todas as suas economias e bens na produção do filme que, se fracassasse, seria a ruína do empreendedor. Branca de Neve terminou por se tornar o maior sucesso de sua época, e hoje temos a Disney World devido à confiança de Disney no projeto.


A lista de filmes importantes que marcaram época, tanto tecnologicamente quanto de qualidade de enredo, é extensa, seguindo desde Jaws, Steven Spielberg, 1975; Close Encounters of the Third Kind, Steven Spielberg, 1977; Star Wars, George Lucas, 1977; Alien, Ridley Scott, 1979; Star Trek, Robert Wise, 1979; Blade Runner, Ridley Scott, 1982; E.T. the extraterrestrial, Steven Spielberg, 1982; Back to the future, Robert Zemeckis, 1985, até os "modernos" e superproduzidos Forrest Gump, Robert Zemeckis, 1994Titanic, James Cameron, 1997; The Matrix, Andrew e Laurence Wachowski, 1999; Cast Away, Robert Zemeckis, 2000 e Avatar, James Cameron, 2009, dentre outros excelentes exemplos de trabalhos bem feitos.

  250px EXPO TOWER

220px Song of the South Capa

 

E a informática? Quando apareceu de fato nos temas de filmes?

Em 1982 os mesmos estúdios Disney de Branca de Neve lançaram um filme completamente inovador em animação: Tron - Uma odisséia eletrônica (TRON, Steven Lisberger, 1982). Pioneiro na utilização de CGI em larga escala em um filme, contemporâneo da era da popularização dos computadores Apple, Sinclair, Commodore, Amiga e PC, Tron foi o primeiro filme com interação direta dos efeitos especiais eletrônicos com os personagens. Ainda que o excelente e também "Waltdisneiano" A canção do sul (Song of the south, Harve Foster, 1946) tenha sido o pioneiro da interação entre personagens humanos reais e personagens desenhados, Tron merece uma nota especial para os aficcionados em história dos computadores, pois não somente trouxe a imagem digital para interagir com personagens humanos, como todo o enredo é voltado à informática, esculpindo no tempo os primórdios da computação pessoal, o início da noção de internet, do desejo da inteligência artificial e até mesmo citações a outras obras igualmente icônicas, como "I Robot" de Isaac Asimov. Tron também leva o espectador a uma visão de como seria o mundo dos jogos eletrônicos dentro da própria máquina, com diversos tipos e naturezas de programas (representados por humanos) lutando entre sí para não serem "deletados" pelo mainframe malvadão que quer dominar o mundo cibernético! Ainda que se possam citar outros filmes da mesma época que misturam diretamente animações com personagens, como O último guerreiro das estrelas (The Last Starfighter, Nick Castle, 1984); Viagem ao mundo dos sonhos (Explorers, Joe Dante, 1985); D.A.R.Y.L., Symon Wincer, 1985, ou mesmo o excelente Jogos de Guerra (War Games, John Badham, 1983), Tron foi um divisor de águas em sua época, não somente na tecnologia, mas também nas diferenças entre gerações e na divisão cultural dos países em expansão digital e os países ainda na era pré informática; no Brasil, engatinhando nos computadores pessoais, o qual o computador mais comum era o Microdigital TK-85 e Apple II era artigo super luxo, haviam os jovens da época, que entenderam totalmente o filme, e os pais, que, em sua maioria, não entenderam nada do enredo o qual programas se degladiam, anti vírus caçando programas errantes e outras coisas do mundo informático, nada intuitivas para o brasileiro do início dos anos 1980.

Trago aqui a vocês, na íntegra e sem alterações, um artigo de época, publicado por Noenio Spinola na página 17 da revista INFO, ano I, nº 2, 1983, no qual o autor expressa sua interessante visão da receptividade brasileira ao filme Tron, revelando o quanto as diferenças provocadas pela realidade tecnológica dos anos 1980 entre a cultura brasileira a cultura norte-americana culminaram na diferenciação entre o furor do filme nos Estados Unidos e a total ausência de opiniões positivas elaboradas por críticos brasileiros da época.

DARYL  

tron

TRON


Crianças entendem, críticos não

info a1 n2 1983 capa  

Tron, o filme de Walt Disney que fez sucesso nos Estados Unidos e na Europa, esbarrou no Brasil no ceticismo dos intelectuais e da crítica de cinema.

Sem conhecer as origens do movimento deflagrado nas artes plásticas americanas desde as experiências com gráficos em alta resolução na Universidade de Utah, hoje amplamente espalhadas por agências de publicidade e na extraordinária indústria dos Vídeosjogos, os críticos compararam Tron com tudo, ou quase tudo: houve quem fosse procurar analogias com o Chaplin de Tempos Modernos, e quem dissesse simplesmente "não entendi”.

O que é e o que significa Tron, na realidade? O filme tem suas raízes na descoberta feita pelos analistas de sistemas ao trabalharem com gráficos em alta resolução: as técnicas de “CAD” (Desenho Assistido por Computador) aplicadas a projetos de todos os tipos, de repente demonstraram que era possível produzir objetos “tridimensionais” e brincar com luz e cor com uma flexibilidade infinitamente maior que a oferecida a um pintor com suas tintas, pincéis e tela. O “CAD” pulou das máquinas para os vídeojogos, para os sistemas de ensino nas escolas e universidade, e gerou coqueluches de consumo como a que ocorre hoje na Inglaterra, na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos.

Motivo da coqueluche: o baixo custo dos microcomputadores. Nesses países, o piso está em torno de 100 dólares. A partir daí, toda família pode reciclar suas formas de ensino e entretenimento doméstico. No Brasil, o custo inicial seria três ou quatro vezes maior. Tron encontrou assim uma platéia americana e européia “treinada” para entendê-lo. Com as Universidades nos Estados Unidos introduzindo obrigatoriamente (sic) cadeiras de programação e análise de sistemas para acesso a qualquer curso, a terminologia do abstrato e fechado mundo dos computadores tornou-se familiar às massas. Nesses países, “RAM”, “ROM” e outras siglas que se referem a “chips”, ou peças de acumulação de memória permanente ou volátil, podem entrar nos diálogos de qualquer filme contando com o instantâneo entendimento da platéia.

No Brasil, ainda estamos distante disso. Tron é aqui, portanto, uma experiência cultural prematura. A trama simplória — um programador de bom caráter que tem seus jogos roubados e mergulha na memória central da máquina para descobrir que ela adquiriu vida própria e quer controlar a humanidade — não vem ao caso. O filme de Walt Disney é uma fábula plástica cujo significado pode despertar nos intelectuais brasileiros a mesma resistência que um Kandinsky despertou entre os bolchevistas russos, quando o fascismo de esquerda resolveu expulsar do país tudo o que não fosse realismo socialista. Tron, para os brasileiros, compete também em desvantagem com E.T., o filme que explora a propensão natural das massas para sonhar. É, realmente, muito mais fácil esperar por um extraterrestre baixado de um disco voador, que se despede transformando o cérebro de uma criança em um supercérebro do futuro, do que entender o mundo da automação. Além do mais, este é uma ameça de roubar empregos. Mesmo não entendendo a fábula do “Halloween” expressa na nave do E.T., que magnetiza as crianças americanas, o consumo aqui foi instantâneo. Afinal de contas, quem é que não espera por discos voadores? N.S.


 

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