Nos anos 1980, o Brasil vivia sob o regime da reserva de mercado para a informática, o que restringia severamente a importação de equipamentos e incentivava o desenvolvimento local. Nesse cenário, a Microdigital Eletrônica Ltda., uma das principais fabricantes de computadores do país, lançou o TK2000, um dos primeiros clones do Apple II no Brasil. Este modelo ocupou uma posição de destaque no emergente mercado nacional de computadores.
Em 1983, durante a Feira de Informática, a Microdigital apresentou o TK2000. Esse computador marcou uma mudança significativa no portfólio da empresa, que até então focava em clones do ZX81. Diferente de seus antecessores, o TK2000 foi projetado com foco em compatibilidade com o Apple II Plus, visando aplicações profissionais e domésticas. O modelo destacava-se por suas capacidades gráficas (280 x 192 pixels), suporte a drive de disquete e a possibilidade de uso de gravadores cassete, buscando alcançar tanto o mercado de escritórios quanto o consumidor caseiro.
A empresa Microdigital já possuía outros produtos voltados para entusiastas, como o TK82-C e o TK85, que atendiam a um nicho mais voltado para o aprendizado de programação e jogos simples. O TK2000, no entanto, sinalizou a entrada da empresa no setor de computadores profissionais, com maior capacidade de processamento e memória.
Entre 1983 e 1987, foram lançadas quatro versões do TK2000: o modelo original, o TK2000-II de 64kB e duas versões de TK2000-II de 128kB. Essas melhorias buscaram atender à demanda por maior capacidade de processamento e memória em um mercado ainda carente de opções acessíveis.
O TK2000 ofereceu uma alternativa acessível ao Apple II, tornando-se uma opção viável para muitos brasileiros interessados em computação pessoal. Em uma época de forte regulação do setor, o TK2000 se tornou peça importante na expansão do acesso à informática no Brasil, especialmente durante a reserva de mercado. Seu impacto foi significativo, mesmo diante da concorrência de outros modelos nacionais como o CP500 da Prológica e o Hotbit da Sharp, além do próprio Apple II, quando as restrições de importação foram afrouxadas. Foi anunciado como "compatível" com o Apple II, mas sua compatibilidade parcial gerou frustrações entre os usuários que esperavam um comportamento idêntico ao original. Apesar dessas limitações, o TK2000 foi essencial para o desenvolvimento da informática no Brasil, permitindo que muitos se aproximassem da computação pessoal, marcando uma geração de entusiastas e programadores.
Legado da Microdigital
Além do TK2000, a Microdigital também produziu computadores importantes como o TK82C e o TK85, solidificando-se como uma das principais protagonistas da era da computação pessoal no Brasil, desempenhando um papel vital na difusão da informática no país, especialmente durante a era da reserva de mercado.
Primeiro computador do Museu OldBits Processamento:
Vídeo:
Som:
Teclado:
Caracteres:
Expansão:
Portas de comunicação:
Compatibilidade: Era considerado parcialmente compatível com o Apple II, já que nem todos os softwares projetados para o Apple II rodavam no TK2000. |
O TK2000 de casamento
O primeiro computador deste Museu é uma peça que tem lugar de destaque. Pouco antes de 1990, o Jaldomir Sênior, pai deste que vos escreve, trouxe para casa um TK2000 original, de 64kB. O equipamento chegou "crú", sem caixa nem acessórios, somente com manuais e a fonte de energia.
Este foi o computador que me inseriu, de fato, no mundo da informática: na época, com 15 anos, o máximo de informática que eu conhecia era jogar Enduro, River Raid e Pitfal no Atari 2600 (que também faz parte deste museu). Aprender sobre as "entranhas" da computação já era uma vontade antiga, porém cara e distante até a chegada deste TK2000.
Trabalhando sério
Após alguns meses de brincadeiras, encontramos uma utilidade prática e efetiva para o poderoso TK2000: confeccionar aberturas e finalizações de fitas de vídeo de eventos.
Um parente próximo, que comprou uma filmadora JVC, começou a fazer filmagens de casamentos, eventos e aniversários para os amigos, até receber uma oferta para filmar eventos. Naquela época, início dos anos 1990, filmagens eram extremamente caras, e as aberturas destas das filmagens, quando existiam, eram extremamente amadoras, normalmente o cameraman filmava várias folhas de papel sulfite batido à máquina de escrever. Acredite: era algo bem amador mesmo.
Quando o cameraman tinha algum dinheiro, adquiria um caríssimo equipamento chamado "gerador de caracteres", que não tinha nenhum tipo de desenho, não tinha nada de escolhas de tipografias e tampouco mudava as cores dos caracteres na tela. No máximo algum efeito dos caracteres andando, aos pulos, de linha em linha, pela tela da TV. Algo também muito amador.
Daí veio a idéia de eu programar o TK2000 para apresentar caracteres e gráficos na tela, gravar no videocassete inserindo som externo (lembro que a música que eu mais usava era "Look for a Star" na versão instrumental de Billy Vaughn. Resultado? As aberturas que o bom TK2000 se tornaram um mania na época, todos os colegas que faziam filmagens queriam que eu colocasse a abertura, personalizada com nomes e desenhos geométricos nas fitas de vídeo de reportagens, gráficos como este exemplo na figura em movimento ao lado. Hoje em dia os desenhos podem parecer simples e desinteressantes, mas acredite: no início dos anos 1990, ter um desenho em movimento desses, juntamente com o nome dos noivos, dos padrinhos e outras informações passando na tela de sua fita de casamento era "um luxo". 😁
Incentivo à profissão
Este TK2000 me fez mergulhar de cabeça na eletrônica: técnico projetista formado, entrei na já extinta On-Line Informática LTDA, com sede no Tatuapé, cidade de São Paulo, empresa que até o final dos anos 1990 era a única no Brasil a prestar manutenção autorizada nos computadores Apple Macintosh. Foi nesta época que ganhei os adesivos da maçã colorida da Apple, que obviamente foram parar no invólucro do meu TK2000, como mostrado na foto. Esses adesivos fazem parte da história deste TK2000, por isso nunca os retirei.
O vulcão e o diploma
Este TK2000 também foi o vencedor da Feira de Ciências do Liceu "Camilo Castelo Branco" de 1994, quando o utilizei para "monitorar" a atividade de uma maquete gigante de vulcão, com funcionalidades reais, até fluxo piroclástico (de gelo seco) e lava vulcânica (de tinta vermelha de caneta BIC). Em uma tela, o TK2000 mostrava a probabilidade de erupção vulcânica, enquanto ele próprio controlava um conjunto de eletrobombas por meio de uma placa de expansão especialmente desenvolvida para causar uma erupção a cada 2 minutos. Foi a propaganda que atraiu centenas de visitantes ao Liceu durante toda a semana da Feira de Ciências, e, obviamente, me rendendo uma nota 10 e garantindo meu diploma de Técnico em Projetos Eletrônicos.
Diferentemente dos TK85, a Microdigital teve um cuidado especial com os adesivos de número de série dos TK2000. Assim, é possível rastrear, até hoje, a maioria dos TK2000. Este TK2000 "de casamento" não é exceção: o número de série está preservado, seu número é 1271.
Este TK2000 nunca foi modificado, sequer foi necessário trocar componentes, está funcionando perfeitamente no Museu OldBits até os dias atuais. É o computador que me remete à minha juventude, noites de programação e de novidades, além de trazer para o presente as lembranças de meu pai, que participava com muito interesse no desenvolvimento das novas idéias e das descobertas da informática raíz!
O Multitech Microprofessor-II A relação entre o TK2000 da Microdigital e o Microprofessor II da Multitech, que mais tarde se tornou a Acer, é de grande importância para entender as características do TK2000 e sua evolução. O TK2000 foi fortemente inspirado no Microprofessor II, um computador desenvolvido pela Multitech, que tinha como objetivo ser compatível, mas não um clone exato, do Apple II. O Microprofessor II foi projetado como uma plataforma educacional e acessível que oferecia boa compatibilidade com os softwares do Apple II, mas com algumas diferenças técnicas e estruturais. O TK2000, embora vendido no Brasil como um computador "compatível com o Apple II", na realidade tinha muito mais semelhanças com o Microprofessor II, sendo uma adaptação desse modelo taiwanês. A Microdigital utilizou a arquitetura do Microprofessor II como base para o TK2000, uma estratégia que possibilitou à empresa brasileira oferecer um produto funcionalmente similar ao Apple II, mas que não infringia diretamente as patentes da Apple, devido às modificações de hardware e software. Entre as principais similaridades estão o uso da mesma CPU, a MOS Technology 6502, e o suporte básico a periféricos como drives de disquete. No entanto, a compatibilidade entre o TK2000 e o Apple II não era total, e os usuários enfrentavam problemas ao rodar alguns softwares feitos para o Apple II, o que gerava frustração. A origem do TK2000 no Microprofessor II, e não no Apple II original, explica muitas dessas limitações. A parceria indireta entre a Microdigital e a Multitech permitiu que o TK2000 fosse uma alternativa viável no mercado brasileiro, atendendo à demanda por um computador acessível que oferecesse compatibilidade com um dos sistemas mais populares da época, o Apple II, mesmo que de forma parcial. Esses fatores fizeram com que o TK2000 se tornasse uma peça fundamental na história da informática no Brasil, ao mesmo tempo que consolidava o uso do Microprofessor II como um modelo de referência na criação de computadores "compatíveis" durante a reserva de mercado. |
O TK2000 possui um poderoso conjunto de ferramentas na própria ROM, para o uso tanto de programadores iniciantes até programadores avançados, adeptos de código de máquina e assembler.
Compiladores disponíveis na ROM de 16kB
- Interpretador BASIC
- Monitor-Disassembler
- Mini assembler
Características do programa Monitor:
- Comandos diretos em hexadecimal
- Capacidade de exame direto de posições da memória
- Capacidade de escrita diretamente em memória
- Capacidade de transferir dados em blocos
- Capacidade de comparar dados em blocos
- Capacidade de armazenar e carregar blocos de memória diretamente em fita cassete, tanto no formato compatível com Apple-II (APPLESOFT) quanto em formato próprio do TK2000
- Capacidade aritmética de soma e subtração de valores hexadecimais
Disassembler:
- Trabalha com blocos de memória em código mnemônico do processador 6502
Mini-Assembler
- Compila código mnemônico do 6502 em códigos hexadecimais
- Executa comandos do programa Monitor diretamente dentro do mini-assembler
A Microdigital também disponibilizou alguns periféricos para o TK2000. Dentre os mais comuns, estavam o Microdigital Disk Controller, que era a interface que possibilitava o uso de um drive externo de disquete 5¼" de dupla densidade, com capacidade de 140kB, uma interface de comunicação serial RS232-C e dois modelos de joystick TK-Stick Game Control, nas cores branco e preto. Dado à grande capacidade da porta de expansão do TK2000, muitas empresas desenvolveram suas próprias interfaces de eletrocontroles, principalmente a indústria, de forma a usar o TK2000 e toda sua confiabilidade e capacidade em linhas de produção.
O TK2000 foi o computador-chefe da Microdigital até a chegada de seu "irmão maior", o TK3000, convivendo em fabricação desde 1986 até 1997, quando a Microdigital encerrou a fabricação do TK2000.
Muitos simplesmente não gostam do TK2000, principalmente por não participar de fato de um padrão, mas eu não compartilho desse sentimento: o TK2000 teve, para mim, grande importância no desenvolvimento pessoal e profissional. Um brinde ao TK2000!
Referências
- ARARUNA, Carlos. "TK2000: O Apple II nacional." MSX História. Disponível em: MSX História.
- SANTOS, Cesar A. História da Informática no Brasil: Microcomputadores. InfoWorld, 2020.
- SOUZA, Ivanir. "Os computadores da reserva de mercado no Brasil." Retrocomputaria, 2023. Disponível em: Retrocomputaria.
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